COMPARATIVO: UNO MILLE, CHEVETTE JÚNIOR, GOL 1000

Teste comparativo dos carros nacionais mais baratos, todos equipados com motor de 1000 cc.

 

Em um País em constantes crises econômicas como o nosso, a compra de um carro é bem diferente do que ocorre em países mais ricos. Para um consumidor com muito dinheiro o que conta é desempenho, estilo e acabamento (não necessariamente nessa ordem) e, às vezes, consumo. Enquanto o que conta mais em época de crise, e no Brasil, é o preço.

De todas as trapalhadas do governo Collor, um dos raros acertos foi beneficiar os carros de até 1.000 cc de cilindrada com uma alíquota menor de IPI, que permite a este tipo de carro popular um preço mais atraente. E para poder manter este preço "popular", as fábricas não hesitam em eliminar dos seus modelos de 1.000 cc qualquer item considerado mais luxuoso ou supérfluo.

Com isso, surgiu aqui, em dois anos, uma nova categoria de automóveis com acabamento mais simples, rendimento modesto mas preço suficientemente baixo para permitir a muitos sonharem com um carro zero quilômetro. No final de 1990 surgiu o pioneiro Uno Mille; 18 meses depois, em 1992, veio o Chevette Júnior. Agora, para esquentar a briga, chegou o Gol 1000.

OFICINA MECÂNICA testou os três carros nacionais de "um litro" de cilindrada (Uno Mille, Chevette Júnior e Gol 1000), pois os "1000" já ocupam lugar de destaque no mercado. Em uma competição hipotética, os três seriam bastante equilibrados, já que os rendimentos são semelhantes. As velocidades máximas, por exemplo, ficaram em 140,3 km/h (Gol 1000), 140,5 km/h (Uno Mille) e 141,2 km/h (Chevette Júnior).

São três conceitos bem diferentes, onde o Uno Mille tem motor transversal e tração dianteira; o Gol 1000 tem motor longitudinal e tração dianteira, e o Júnior tem motor longitudinal com tração traseira. Em termos de projeto, o Mille é mais atual, seguido - de longe - pelo Gol e depois pelo Chevette, o mais tradicional.

 

DESEMPENHO - Rodando, no Mille e no Júnior tem-se a certeza de que se está ao volante de um carro de 1.000 cc. No caso do Gol, esta impressão se confunde um pouco, já que em movimento ele parece um carro "normal". Mas não se pode esperar rendimento esportivo de motores de apenas 1.000 cc. Além disso, este tipo de automóvel exige alguma adaptação por parte do motorista; as ultrapassagens, por exemplo, precisam ser feitas com alguma margem de segurança, já que as acelerações são lentas.

Nas acelerações de zero a 100 km/h, a vantagem foi do Gol 1000, com 18,1 segundos, seguido pelo Uno Mille, com 21,1 segundos e, logo em seguida, o Chevette Júnior, com 21,2 segundos. Já nas retomadas de 40 a 100 km/h em quinta marcha, o Gol ficou outra vez na frente, com 28,7 segundos, vindo depois o Uno Mille com 36,2 segundos e, mais distante, o Junior, com 40,2 segundos. A vantagem do Gol se deve principalmente ao melhor escalonamento das marchas do câmbio; no caso do Júnior todas as marchas parecem muito curtas, enquanto no Mille a quinta é bastante longa. O câmbio "quase"4 + E do Gol (quatro marchas "de força" e a quinta "econômica") é o mais adequado.

Já a velocidade máxima é mais equilibrada, devido à potência máxima quase idêntica dos três carros (Gol, 50 cv a 5.800 rpm; Mille, 47 cv a 5.750 rpm e Júnior, 50 cv a 6.000 rpm). Nesse caso a menor potência do Mille é compensada por sua aerodinâmica melhor. O Gol chegou aos 140,3 km/h de velocidade máxima (média de quatro passagens, com a melhor marca em 142,4 km/h). Foi o mais lento. Depois veio o Uno Mille, com 140,5 km/h (média de quatro passagens, com a melhor marca em 143,7 km/h) e, na frente, a surpresa: Júnior, com 141,2 km/h (média de quatro passagens, com a melhor marca em 143,2 km/h). Na prática, os três carros "andam" quase o mesmo em termos de velocidade máxima: Júnior e Gol têm maior potência, mas aerodinâmica ruim, enquanto Mille tem menos potência e melhor aerodinâmica.

 

CONSUMO/AUTONOMIA - Motores de 1.000 cc têm a obrigação de ser econômicos. E no caso dos três isso se confirma. O Mille, que tem a melhor relação peso/potência (795 kg e 47 cv, com 16,9 kg/cv) faz, a 100 km/h constantes, no plano, em quinta marcha, 14,1 km/litro de gasolina; o Gol, que fica numa faixa intermediária (860 kg e 50 cv, com 17,2 kg/cv) fez 13,1 km/litro e o Júnior, o que tem a relação peso/potência menos favorável (866 kg e 50 cv, com 17,3 kg/cv) marcou 12,4 km/litro. Nenhuma surpresa.

O consumo urbano teve o Mille em primeiro lugar, com 13,1 km/litro, seguido pelo Júnior com 11,7 km/litro e Gol, com 11,2 km/litro, medidos no percurso-padrão de MECÂNICA.

Estes motores de 1.000 cc apresentam uma peculiaridade em relação aos índices de consumo. Se pouco exigidos, são bastante econômicos; quando é preciso potência (mesmo para acompanhar um trânsito mais rápido) e o pedal do acelerador vai mais para o fundo, o consumo aumenta bastante, o que pode piorar os dados obtidos em teste em até 30% ou 40%.

A maior autonomia teórica a 100 km/h constantes (em quinta e no plano) é do Mille, que com seu tanque de 51 litros pode percorrer 719 km; depois vem o Júnior, com 644 km (52 litros) e o Gol, 615 km (51 litros).

ESTABILIDADE/CONFORTO - Os três carros são bastante estáveis, e isso exige uma análise em separado de cada tipo de suspensão empregada. O conjunto mais atual é o do Mille, com suspensões independentes nas quatro rodas, tipo McPherson, com molas helicoidais na dianteira, e McPherson com um feixe de molas transversal na traseira. O Chevette tem suspensão independente na dianteira, com braço inferior e braço triangular superior, enquanto na traseira usa o "combalido" eixo rígido com molas helicoidais, braço longitudinal tubo de torque e barras Panhard, o que provoca pulos em ondulações. Já o Gol tem suspensões tipo McPherson na dianteira e eixo de torção com molas helicoidais na traseira.

O carro que melhor consegue equalizar conforto e segurança é o Gol, já que sua suspensão é macia e ao mesmo tempo não compromete a dirigibilidade do carro. Já o Uno tem a suspensão um pouco mais dura, penalizando um pouco o conforto, enquanto o Chevette padece com seu eixo rígido traseiro, em especial nos pisos acidentados. Os três têm rodas de aço, com pneus 145x13 no Gol e Mille, e 155x13 no Chevette.

Os pneus finos comprometem um pouco a estabilidade, mas proporcionam mais conforto, já que são mais altos e macios. A direção também fica mais leve. Em qualquer tipo de curva os três carros estão sempre na mão, e por causa da baixa potência, dificilmente irão causar alguma surpresa, já que até mesmo acelerar e depois "tirar o pé" no meio de uma curva pouca influência terá na trajetória.

A maior distância entre-eixos é a do Júnior (2.395 mm), seguido do Mille (2.361 mm) e depois o Gol 1000 (2.358 mm). Quanto maior a distância entre-eixos, melhor o conforto de marcha, já que a carroceria ganha um pouco mais de flexibilidade, ficando mais "macia". Porém, quanto mais curta a distância entre-eixos, melhor o desempenho do carro em curvas de baixa velocidade.

Na prática, os três carros são confiáveis em curvas, razoavelmente confortáveis em movimento e fáceis de manobrar, inclusive em velocidade. Devido à tração dianteira, Gol e Mille apresentam alguma tendência a desgarrar de frente, enquanto o Chevette escapa mais de traseira. Mas como as potências são pequenas, só se nota isso com mais clareza em piso escorregadio ou molhado.

MOTOR/CÂMBIO - O sucesso de um 1.000 cc depende basicamente da qualidade de seu motor e do perfeito "casamento" entre motor e câmbio. Nos três casos, os motores foram adaptados de suas cilindradas originais para capacidades abaixo de 1.000 cc. O motor do Mille deriva do motor do Fiat 1.050 do antigo 147, e teve modificado apenas o curso do pistão. No 1050, diâmetro x curso era de 76x57,8 mm; no 994 cc do Mille, o curso dos pistões foi reduzido para 54,8 mm.

O Chevette, por sua vez, teve reduzidos diâmetro e curso (a partir dos 1.600 cc) para chegar aos 998 cc de cilindrada. Dos 82 x 75,7 mm, caiu para 76 x 55 mm. O mesmo aconteceu com o Gol. Equipado com motor AE-1000, derivado do AE-1600 (ex-Ford CHT), dos 77 x 83,5 mm do 1.600 cc, passou para 70,3 x 64,2 mm, ficando com 997 cc.

Em termos de pot6encia, os três carros se equivalem. O Mille é o menos potente, com 47 cv a 5.750 rpm. Depois, empatados, o Gol com 50 cv a 5.800 rpm e o Júnior, com 50 cv a 6.000 rpm. Os torques são idênticos: 7,2 mkgf (Gol a 3.500 rpm, Júnior a 3.500 rpm e Mille a 3.000 rpm). Dos três, apenas o Gol é alimentado por carburador de corpo duplo, que favorece o consumo e torque em baixas rotações.

Rodando, o Júnior é o mais "desanimado", já que seu desempenho é mais modesto devido ao câmbio escolhido, com as marchas muito curtas (a passagem de quarta para quinta lembra um carro de competição de tão próximas as marchas). O Mille fica em uma posição intermediária, com desempenho razoável e a velocidade máxima atingida em uma longuíssima quinta marcha, onde o conta-giros indica apenas 5.150 rpm, faltando portanto 600 rpm para atingir a faixa de potência máxima, que seria o "casamento" ideal.

O Gol é o que tem melhor comportamento, e os mais desavisados quase não percebem que se trata de apenas 1.000 cc (fizemos diversas vezes esta experiência). O câmbio tem escalonamento correto e não é um 4 + E "radical": atinge-se a velocidade máxima em quarta, mas sua concepção é de uma versão intermediária entre o 4 + E e o cinco marchas reais.

Em termos de engate, destaque para o Gol, que mantém as (boas) características de engate dos Volkswagen, sempre precisos e suaves (excluindo da lista os primeiros Passat, é claro). Depois vem o Chevette, que tem a alavanca melhor posicionada que Gol e Mille. O câmbio do Júnior só fica macio depois de aquecer o óleo. Por fim o Mille, que como todo Uno ainda apresenta o trambulador um pouco "borrachudo" e impreciso. Muitas vezes, ao parar em um farol, não é mais possível engatar a primeira; antes é preciso engatar uma outra marcha e voltar rápido para a primeira.

DIREÇÃO/FREIOS - Nos três carros, o sistema de direção é do tipo pinhão e cremalheira. A direção do Gol é a mais precisa das três, seguida pela do Chevette e Mille, que se equivalem. Em manobras, Gol e Mille têm direção mais leve, já que usam pneus finos (145/13); o Chevette, com pneus 155/13 tem a direção um pouco mais pesada. O diâmetro mínimo de curva do Gol é de 10,6 metros, seguido pelo Mille, com 9,9 metros; o Chevette, com 9,8 metros é o carro nacional com melhor diâmetro de giro, sendo possível fazer uma conversão em ma rua não muito larga, sem manobra. O fato do Chevette ter tração traseira, sem a limitação ao esterço que as trações dianteiras têm, influi muito nesse caso.

Os três carros têm sistema de freios com discos na dianteira e tambor na traseira, auxiliados por servofreio (hidrovácuo). O Gol tem duplo circuito em diagonal, e os demais em paralelo. Nas frenagens a 100 km/h, por exemplo, o melhor desempenho foi do Mille, que se imobilizou em apenas 34,2 metros, marca muito boa. Já o Júnior parou em 39,9 metros e o Gol, demonstrando o mesmo desacerto do teste anterior (excesso de pressão nas rodas traseiras), com travamento prematuro das rodas traseiras, parou em 44,2 metros. Os freios do Mille se mostraram excelentes até mesmo para padrões internacionais.

Em uso forçado, como em descida da serra, só após muito abuso do freio dos três carros é que se notou uma ligeira tendência ao fading (perda de eficiência por aumento de temperatura). Desvios e travamentos, só no Gol.

 

ESTILO/AERODINÂMICA - Sem dúvida nenhuma, nestes dois itens o Mille dá um "banho" em seus concorrentes, apesar de manter ainda a frente antiga. Afinal, o Uno Mille tem desenho do italiano Giugiaro típico dos anos 80, enquanto o Gol foi criado pela Volkswagen do Brasil nos anos 70 e lançado em 1980, e o Chevette é o Opel Kadett alemão de 1973. O Uno tem uma prática carroceria dois volumes, com portas amplas, grande área envidraçada e bom espaço interno. Já o Gol tem carroceria hatchback, poucas soluções engenhosas, "quebra-ventos" fixos, aerodinâmica ruim e espaço interno que beira o ridículo na parte traseira. O Chevette é o mais antigo dos três projetos, e seu estilo três volumes e interior acanhado já caiu em desuso.

Falando em aerodinâmica, o Mille tem Cx (Coeficiente aerodinâmico) de 0,36, bom e dentro do padrão de carros atuais. Já o Chevette tem Cx de 0,43 e o Gol perde feio, com antiquados 0,50 de Cx.

Como no Brasil carro de 1.000 cc é um veículo barato, isso acaba se refletindo na identificação e visual dos modelos. Os três são bem despojados; o Gol tem um logotipo "estranho" e a identificação do Chevette é um adesivo com a inscrição "Chevette Júnior" colado nas portas. O Mille é o único que tem um logotipo correto, de material plástico, colocado no lugar "normal".

 

INTERIOR/PAINEL - Os três carros destacam a simplicidade, mas o Chevette tem material de melhor aparência nos revestimentos dos bancos. Nos três faltam consoles e porta-objetos, e o Uno e Gol levam vantagem sobre o Chevette por permitirem o rebatimento do encosto do banco traseiro. Os bancos são confortáveis e seguram bem o corpo em curvas, além de serem reclináveis e com encostos de cabeça (opcional em alguns modelos); os encostos do Chevette são vazados, melhores do que os integrais do Gol e Mille, pois permitem melhor visibilidade para trás.

Os painéis de instrumentos são bastante simples, e no Gol e Mille contam apenas com velocímetro e marcador de combustível, enquanto o Chevette é o único a dispor de marcador de temperatura da água. Rádio? Apenas um AM?FM mono no Chevette.

Painéis de instrumentos mais completos podem ser adquiridos como opcionais ou acessórios após a compra. E nos três casos, o volante é material rígido, claramente um mau absorvedor de impacto, e do tipo "V" invertido, sem apoio para os dedos polegares. O menos feio é o do Chevette.

 

ERGONOMIA/ESPAÇO INTERNO - O único carro que realmente apresenta cuidados com a ergonomia é o Mille. Todos ocupantes se sentam com conforto e os comandos estão à mão, em especial por causa dos comandos tipo "satélite", que podem ser acionados sem tirar a mão do volante. No Chevette e no Gol não há esse tipo de cuidado; no Chevette são usados interruptores convencionais e, no Gol, teclas.

O espaço interno também é maior no Mille, que acomoda quatro pessoas com relativo conforto. O Gol só leva atrás dois "baixinhos" e o Chevette não esconde a idade de seu projeto, espremendo até mesmo os ocupantes dos bancos dianteiros. Em termos de porta-malas - com o banco na posição normal e ocupando até a altura do vidro - o maior é o do Gol, com 330 litros de capacidade (só que sem o estepe). Boa parte do espaço é roubado pelo estepe, sendo o porta-malas mais "travado". O Júnior tem 323 litros de capacidade, mas também leva o estepe enquanto o do Mille é o menor (290 litros) mas é melhor aproveitado, já que o estepe fica alojado no compartimento do motor.

CONCLUSÃO - O segmento dos 1000 é interessante, pois se adequa à situação (e realidade) do País. São os mais baratos do mercado e servem como boa opção de meio de transporte, basicamente para uso urbano, já que em estrada demonstram alguma falta de potência. O Gol tem a melhor adequação motor/câmbio, mas uma carroceria já "cansada". O Mille é o mais atual dos três e tem melhor espaço interno, enquanto o Chevette é o mais modesto em desempenho e espaço interno, mas que tem seus admiradores por causa do sistema motor dianteiro/tração traseira.

Revista Oficina Mecânica - Novembro 1992, edição n 75.